Matéria sobre ateus e Atea no Jornal da Tarde

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Pelo direito de não acreditar em Deus

FELIPE GRANDIN, felipe.grandin@grupoestado.com.br

O professor de Biologia Silvestre Viana, de 26 anos, sempre se sentiu diferente.
Tentava seguir os costumes. Mas algo não se encaixava. Quando descobriu o que
era, relutou até assumir sua condição. Era ateu. Perdeu o emprego, amigos. Até
brigou com a família. “Por não acreditar em Deus, pararam de confiar em mim.”

Viana é parte de uma minoria que sofria sozinho o preconceito. Sofria. Em
dezembro, foi criada a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) para
dar suporte aos que não creem em Deus, divulgar valores seculares, garantir o
Estado laico e incentivar os descrentes a “sair do armário”.

“Eles precisam de alguém que apoie, dê a cara, lute contra o preconceito”, diz
Daniel Sottomaior, presidente da Atea. Tarefa árdua: os ateus são o grupo mais
rejeitado pelos brasileiros (veja abaixo). Mesmo assim, a associação, criada a
partir de fóruns na internet, tem 371 sócios e arrecadou R$ 7.000, marcando a
chegada do “novo ateísmo” ao país.

O movimento contesta as crenças religiosas e prega ativamente a ciência como
única explicação para tudo. Surgiu como reação ao recrudescimento do
fundamentalismo religioso, intensificado após os atentados de 11 de setembro de
2001, nos EUA. Para a historiadora da Unicamp Eliane Moura, os religiosos
passaram a incomodar ao contestar a laicidade do Estado e o avanço da ciência:
“O que não era contestado passou a ser questionado e conquistas importantes,
como o domínio das células-tronco, foram barradas.”

Na ação mais polêmica até agora, ônibus de Londres e Barcelona circularam com
frases como “Provavelmente, Deus não existe”. A campanha publicitária,
intensamente criticada por religiosos, foi proibida na Itália. No Brasil, a Atea
teve dificuldade em sua primeira tentativa, pois uma norma do Metrô de São Paulo
veta propagandas “de cunho religioso”.

O grupo passou para os ônibus, mas o pedido foi recusado por uma empresa que
quis “evitar polêmicas”. Resistência compreensível num país onde 93% da
população diz ter religião, segundo o IBGE. Mesmo entre os 7% restantes, há
muitos acreditam em Deus.

Além de incluir os ateus no censo - para saber quantos existem no país - a Atea
quer instituir o Dia do Orgulho Ateu. A preferência é por 12 de fevereiro,
quando nasceu Charles Darwin, cientista que consideram quase um deus. Este ano
comemoram-se os 200 anos do nascimento do britânico que contestou a teoria
criacionista (Deus criou o mundo e tudo que nele vive) com a evolucionista - o
homem é resultado de milhões de anos de seleção de espécies.

“Todos têm direito de se organizar, mas acho paradoxal eles trabalharem da
maneira que condenam nos outros”, diz Cleverson de Almeida, diretor da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, que ensina criacionismo e evolucionismo
nas aulas. “Essa campanha me parece anacrônica, porque hoje se tem liberdade
total”, diz o padre José Oscar Beozzo, teólogo e historiador. “Mas o mesmo
direito que temos de professar a fé eles têm de não professar.” Amém.

REJEITADOS

O grupo social mais intolerado do Brasil é o ateu. A conclusão é de uma pesquisa
feita em 2008 pelas fundações Perseu Abramo e Rosa Luxemburgo para medir o
preconceito contra gays

Perguntados sobre o que sentiam quando encontravam um ateu, 17% dos 2.014
entrevistados disseram repulsa ou ódio e 25%, antipatia

É o maior índice de aversão dos 28 grupos étnicos e sociais arrolados, empate
técnico com usuários de drogas. Os garotos de programa e transexuais vêm em 2º

'Fui despedido por ser ateu'

Silvestre Viana, 26 anos, professor de biologia e ateu


Como você se tornou ateu?

Fui criado como católico, mas sempre questionei a Igreja. Fui para outras
religiões. Espírita, evangélica, até que comecei a estudar biologia. Não
consegui conciliar e escolhi a ciência. Tinha 19 anos.

Como foi?

Não tinha como assumir imediatamente. As pessoas te olham de jeito diferente.
Você sente medo da rejeição da família. Aqui na Bahia, para se expressar como
ateu, tem que ter raça, é lenha. Em São Paulo, tem uma galera de mente mais
aberta. Por isso fiquei no armário. Preferi amadurecer a ideia.

E quando contou?

Há cinco anos para os amigos e para minha mulher. E há quatro pros meus pais.
Discuti muito. Meus amigos Testemunhas de Jeová não falam mais comigo. Nas
reuniões de família eram 20 pessoas dizendo que eu estava errado.

E no trabalho?

Eu estava num debate na escola que dava aula, no ensino médio, no interior da
Bahia. Defendia o evolucionismo e um seminarista, o criacionismo. Eu assumi. O
debate acabou e o ano letivo terminou. A diretora me mandou embora. Falou: ‘onde
meus alunos vão chegar com um professor ateu?’

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